Uma bolsa infantil universal no Brasil: o que devemos fazer e o que podemos esperar dela?

A ideia de um subsídio universal para crianças tem apoio considerável. Desde o Relatório Beveridge de 1942, uma transferência de renda para todas as crianças tem sido considerada parte de uma estratégia global para superar a pobreza e reduzir a desigualdade. São difundidos entre as nações ricas, e 17 dos 28 países da União Européia (60%) têm bolsas universais para crianças (SSA-ISSA 2016). Exceções notáveis são os países mediterrânicos como a Grécia, Itália, Portugal e Espanha, que mantêm a lógica da segurança social para filhos de trabalhadores formais e assistência social (geralmente menos generosa) para os filhos de pessoas pobres.

As bolsas infantis universais não são tão comuns entre os países de renda média e pobres. O caso mais inspirador é a Argentina, que criou a Asignación Universal por Hijo (AUH) para fornecer bolsas para todas as crianças que ainda não são cobertas por outros sistemas.

No Brasil, as famílias podem contar com três benefícios monetários para as crianças. Esses são os benefícios variáveis para crianças e adolescentes vinculados ao Bolsa Família, ao Salário Família e à dedução do imposto de renda para crianças dependentes. Se pensado como um sistema, não funciona bem. Os valores pagos variam de R $ 52,14 para as crianças mais ricas até quase zero para filhos de recebedores de imposto de renda que pagam pouco imposto de renda após as deduções. Os valores mais altos são pagos às famílias mais ricas. Além disso, a dedução do imposto de renda e o Salário Família estão escondidos em outras políticas e, como tal, é improvável que afetem o comportamento. Há cerca de 2 milhões de crianças que recebem mais de um benefício e, o mais perturbador de tudo, 17 milhões de crianças que não recebem nada. Não é um cêntimo. Metade dessas crianças e jovens esquecidos encontra-se no terço inferior da distribuição de renda e apenas 10% no terço superior. Se tomada como um todo, a proteção social brasileira para crianças é simplesmente indefensável. Felizmente, para as crianças, é fácil torná-lo muito melhor.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima o número de crianças entre 0 e 17 anos no Brasil, com 54,5 milhões. Isso significa que um subsídio universal igual ao benefício do Bolsa Família (R$ 41 por mês) custaria cerca de BRL 26,6 bilhões por ano. O sistema atual custa cerca de BRL 19,1 bilhões por ano – cerca de BRL 7,5 bilhões a menos. Esta é uma soma relativamente pequena como porcentagem dos gastos públicos.

Como isso funcionária?

Todas as famílias com filhos seriam incluídas no Registro Único (o registro atualmente usado para os benefícios do Bolsa Família) e seriam pagas de acordo com as regras do Bolsa Família por meio de um cartão bancário específico. Todos os programas existentes seriam descontinuados e seus orçamentos transferidos para a concessão universal de crianças. Todas as famílias do Registro Único – as crianças mais pobres do Brasil – receberiam automaticamente um cartão, e o restante seria incorporado ao programa, já que o financiamento adicional de R $ 7,5 bilhões necessário para a universalidade se tornaria disponível. Isso, naturalmente, dependeria do crescimento econômico, mas estimamos que um período de implementação gradual de quatro anos permitiria uma avaliação experimental do impacto da doação e acomodaria a difícil situação fiscal que o Brasil enfrenta atualmente.

Um olhar sobre onde as famílias com filhos se enquadra na distribuição de renda mostra que uma subvenção infantil universal seria a segunda transferência mais progressiva dentre as dezenas que existem hoje no Brasil. Somente o Bolsa Família altamente direcionado seria mais pró-pobre. A maioria dos novos beneficiários (ou seja, aqueles que não são cobertos atualmente) são crianças pobres e vulneráveis na metade inferior da distribuição de renda. Uma bolsa infantil universal para o Brasil é óbvia.

 

(Sergei Suarez Dillon Soares, Graziela Ansiliero, Aline Diniz Amaral, Pedro Henrique Ferreira de Souza e Luis Henrique Paiva, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -Ipea)

 

Referências: Soares, S. S. D., G. Ansiliero, A. D. Amaral, P. H. F. de Souza e L. H. Paiva. 2019. “Uma bolsa infantil universal no Brasil: o que devemos fazer e o que podemos esperar dela?” Working Paper 181. Brasília: Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo. SAA-ISSA. 2016. Programas de Segurança Social em todo o mundo – Europa 2016.

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