Fundada em 2019, a Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) tem como objetivo servir de elo entre todos os indivíduos e grupos interessados ​​em renda básica (ou seja, pagamento periódico incondicional a todos, individualmente, sem teste de meios ou exigência de trabalho) e para promover discussões informadas sobre este tópico em todo o mundo.

Os membros da RBRB incluem acadêmicos, estudantes e profissionais de políticas sociais, bem como pessoas ativamente engajadas em organizações políticas, sociais e religiosas. Eles variam em termos de formação disciplinar e afiliações políticas, não menos do que em termos de idade e cidadania.

UMA IDEIA QUE SE ESPALHA

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, em palestra aos graduandos de Harvard deixou de lado o empreendedorismo digital e defendeu como caminho uma alternativa que vem ganhando espaço no mundo: a de que os Estados garantam uma renda mínima a seus cidadãos, independentemente de classe socioeconômica, para que eles deem conta de despesas como alimentação, moradia e saúde “Chegou a hora de nossa geração definir um novo contrato social. Deveríamos explorar ideias como a da renda básica universal para garantir que todos tenham segurança para testar novas ideias”.

Zuckerberg faz parte de um grupo de lideranças do Vale do Silício que vêm ampliando o movimento internacional em favor da renda básica universal. Assim como ele, Elon Musk, fundador da Tesla, a montadora de carros elétricos, declarou que o modelo é possivelmente a melhor solução para lidar com a crescente abundância de bens e a escassez de empregos geradas pelas novas tecnologias. Albert Wenger, sócio da Union Square Ventures, empresa de capital de risco com aplicações em companhias como Duolingo, SoundCloud e Kickstarter, escreveu um livro em que defende a ideia, chamado World After Capital (“Mundo pós-capital”, em uma tradução livre). E Sam Altman, presidente da Y Combinator, investidora do Airbnb, Reddit e Dropbox, não só é favorável ao modelo como está bancando, por meio da companhia que dirige, um experimento do tipo em Oakland, na Califórnia – o projeto começou distribuindo entre US$ 1 mil e US$ 2 mil mensais a cem participantes, e deve crescer para mil participantes nos próximos meses.

O tema por muito pouco não foi implantada pelo governo americano, na década de 70, sob o governo Nixon – com o escândalo de Watergate e a renúncia do presidente, o projeto acabou enterrado.

Para muitos liberais, o modelo é atraente por abrir a possibilidade de simplificação dos sistemas de seguridade social e eliminar a burocracia relacionada a eles. Para a esquerda, é uma forma de reduzir desigualdades sociais geradas pelo capitalismo.

UM MUNDO SEM EMPREGO

Com novos avanços da tecnologia, são grandes as chances de que muitos postos de trabalho deixem de existir nos próprios anos. E não somente trabalhos de baixa qualificação. Estudo recente da consultoria McKinsey indica que 45% das atividades hoje remuneradas podem ser automatizadas com tecnologias já demonstradas.

O estudo foi feito lá fora. Mas trata-se de uma realidade cada vez mais presente também no Brasil. Por aqui, há exemplos, como o da EDP, que ilustram a velocidade das transformações em curso. A companhia de energia de origem portuguesa já tem mapeados mais de 190 processos em sua operação no país que pretende robotizar nos próximos três anos. A promessa é a de que os funcionários que antes se dedicavam às tarefas automatizadas sejam realocados ou assumam funções estratégicas. Mas Miguel Setas, presidente da EDP no Brasil, admite que haverá dispensas.

Há uma intensa controvérsia sobre os efeitos da tecnologia na redução dos postos de trabalho. Uma corrente defende que para cada tarefa extinta surgem outras novas. As novas atividades, contudo, exigirão requalificação técnica, e muitas pessoas que não forem capazes de se adaptar ficarão sem emprego. Ter uma renda básica impediria que essa parcela da população ficasse desamparada. Também garantiria a manutenção de um mercado consumidor para dar vazão ao aumento da produtividade.

Para Martin Ford, futurologista e autor do best-seller Rise of the Robots: Technology and the Threat of a Jobless Future (“Ascenção dos robôs: Tecnologia e a ameaça de um futuro sem emprego”), essa revolução não é um cenário tão distante. Algo entre 15 e 20 anos. “Pode ser até mais cedo do que isso. Qualquer tipo de trabalho que seja repetitivo e previsível será automatizado. Pessoas com um nível de escolaridade menor são as que estão em maior perigo. Mas cada vez mais pessoas formadas serão impactadas também”, diz Ford.

Experiências pelos Mundo

Vamos agora tentar fazer um apanhado da aplicação da Renda Básica de Cidadania em diversas regiões. Ela tem sido aplicada com diversas variações e variados alcances.

Pode ser que em alguns casos o processo esteja mais avançado, mas estamos descrevendo aqui o que nos foi possível encontrar. Caso você tenha informações mais atualizadas sobre o processo, por favor nos auxilie a atualizá-las mandando-as para marcelo@lessa.com.br

Para reduzir a exclusão social, vários países lançaram programas assistenciais pagos em dinheiro e que beneficiam grupo sociais como estudantes, mães, desempregados, idosos e deficientes físicos. Estes programas compensam a falta de qualificação profissional e dificuldade ao acesso ao mercado de trabalho de parcelas mais pobres, que dependem de um salário como única forma possível de renda.

O rendimento mínimo garantido (RMG) foi introduzido em 1961 (Dinamarca), 1962 (Alemanha) e 1963 (Países Baixos). No Reino Unido, um sistema de 1948 adquire características de rendimento mínimo desde os anos 60. A Bélgica cria o Minimex em 1974. A evolução acelera-se com Luxemburgo em 1986, França 1988 e da Espanha em 1990. Uma Recomendação da Comissão Europeia de 1996 defendeu a criação do RMG como o direito fundamental dos indivíduos a recursos que lhes permitam viver com dignidade. No contexto de crise do emprego e do “Estado-Providência”, alargou-se o RMG para assegurar aos cidadãos, além dos sistemas de proteção social existentes, uma alocação que impeça o rendimento dos mais pobres de diminuir além de um limiar fixo.

Além disso, ainda temos:

Alasca
Em 1976 o Alasca criou o Fundo Permanente do Alasca, com capital oriundo das receitas do Estado em mineração e óleo, e cuja renda desde 1982, fornece um dividendo universal pago em 30 de junho. Em 2011, cada residente recebeu 1174 dólares.

Alemanha
Em 2010, a assembleia geral do Partido Social Democrata da Alemanha incluiu no seu programa a “renda básica”, cujo princípio é semelhante ao Rendimento de Cidadania (O conceito de Rendimento de Cidadania, foi apresentado em Portugal, no livro Plano C, de 2012, como novo paradigma do estado social na Europa, em que a existência ativa da pessoa humana justifica o direito a um rendimento desde que a pessoa cumpra deveres de cidadania). Na União Cristã Democrática do Alemanha, o político Dieter Althaus tem um modelo de um subsídio universal. Na Esquerda (Die Linke), o grupo emancipatório de Katja Kipping apoia o subsídio universal. Os Verdes adotaram um abono de família universal no seu programa. Em 2011, o Partido Pirata Alemão inscreveu o RC no seu programa.

Bélgica
O partido político belga Vivant propõe uma Renda de Cidadania incondicional. A Bélgica é o único país na Europa onde o auxílio desemprego não é limitado no tempo.

Brasil
No Brasil, o Programa Bolsa Família visa beneficiar famílias com renda per capita baixa. A contrapartida é que as famílias beneficiárias mantenham as crianças e os adolescentes entre 6 e 17 anos na escola e façam o acompanhamento de saúde das gestantes, das mulheres que estiverem amamentando e das crianças, que também devem ter a vacinação em dia.
Além disso, a Lei 10.835/04, de autoria de Eduardo Suplicy, prevê que “é instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário. O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias”.

Canadá
O conceito foi testado pelo Programa Mincome na década de 1970 na cidade de Dauphin (Manitoba) no Canadá.

Espanha
Em 2011, o partido da independência basca Bildu propôs um debate sobre a questão da “renda mínima incondicional”. Na Catalunha o governo estuda a viabilidade de implantação.

EUA
Nos EUA, houve tentativas entre 1968 e 1982, para testar o comportamento dos cidadãos perante a procura de trabalho se recebessem um rendimento garantido. Os investigadores concluíram por um fraco desincentivo à procura de trabalho.
O imposto negativo para famílias empregadas foi criado em 1974.

Finlândia
Na Finlândia, a coligação de centro-direita eleita em maio de 2015 anunciou a intenção de testar a distribuição de um rendimento básico incondicional no país. O Governo finlandês planeja atribuir a cada um dos seus cidadãos 800 euros por mês como rendimento básico universal. De acordo com The Independent, uma pesquisa encomendada pelo Instituto de Segurança Social finlandês confirmou que a proposta de renda básica tem apoio de 69% do eleitorado. Segundo o primeiro-ministro finlandês Juha Sipilä : “O rendimento básico simplificará o sistema de segurança social”. A medida, segundo a Bloomberg, custaria anualmente 52,2 bilhões de euros.

França
A renda universal é apoiada pela direita e pela esquerda, com várias modalidades de execução. Os Verdes defendem o subsídio universal no seu programa de 2007. A Alternativa liberal defende esse conceito como meio de facilitar a “tomada de risco e a iniciativa,” e excluir o atual sistema de bem-estar “absurdo e ineficaz”, que promove o clientelismo eleitoral. Na campanha presidencial de 2012, Dominique De Villepin incluiu a ideia de “renda cidadã” de € 850, paga em prestação de obrigações cívicas (lista de eleição, compromissos de solidariedade, criação de proposta de atividade …)

Holanda
A cidade holandesa de Utrecht ia lançar em 2016 um programa piloto de Renda de Cidadania pago a pessoas já beneficiárias de prestações sociais e sujeitas a obrigações.

Índia
Os projetos-piloto da Renda de Cidadania na Índia começaram em janeiro de 2011, com a soma de 1.000 rupias (cerca de U$ 22) por mês.

Inglaterra
Tony Blair criou, em maio de 2003, o Child Trust Fund, uma medida proposta por Bruce Ackerman, dando a cada criança um “capital de base” aos 18 anos.

Iraque
Foi proposta a Renda de Cidadania no Iraque, segundo o modelo do Fundo Permanente do Alasca. Apoiado pela ONU e o Banco Mundial, a medida foi suspensa desde a morte de Sergio Vieira de Mello (agosto de 2003)

Japão
Toru Yamamori, Professor de Política Social na Universidade Doshisha (Kyoto), registra um crescente interesse pela Renda de Cidadania da parte da esquerda radical e dos neoliberais. Ele propõe a redução da jornada de trabalho para auxiliar no combate a escassez de postos de trabalho.

Kuwait
Iniciou em fevereiro de 2012 a Renda de Cidadania incondicional, mas por tempo limitado a todos os cidadãos (1.155.000) de 1000 dinares/cidadão (3580 dólares/cidadão).

Namíbia
Na área de Otjivero – Omitara (1.000 pessoas a 100 km de Windhoek) foi distribuído a cada mês durante dois anos (a partir de janeiro/2008 ) a cada pessoa registrada $100 namibianos. A criminalidade decaiu, a segurança alimentar cresceu, o absentismo escolar e o desemprego diminuíram, e foram criadas microempresas. A renda total dos moradores aumentou de 29%

Portugal
A lei nº 19-A/96 de 29 de Junho de 1996 que entrou em vigor em 1 de Julho de 1997 criou um “rendimento mínimo garantido para cidadãos com carências, para além dos sistemas de proteção social existentes”. Por proposta de lei nº 6/IX de 23 de Maio de 2002, foi revogado o RMG e criado o Rendimento Social de Inserção.
Em 31 de janeiro de 2016, o movimento Nós, Cidadãos! aprovou a criação de um grupo de trabalho sobre o tema que apresentaria relatórios num prazo de quatro meses. Seria um imposto negativo universal, que garantiria que nenhum português se encontraria na situação de pobreza irremediável, assegurando ao mesmo tempo a dignidade mínima que qualquer democracia deve garantir aos seus membros.

Quênia
A ONG americana GiveDirectly, queridinha no Vale do Silício, recebe doações ao redor do mundo e, como o nome bem diz, dá diretamente aos moradores de vilarejos rurais pobres no Quênia – tão pobres que, em alguns deles, comer em público, “ostentar” a comida, é considerado falta de educação. Os pagamentos em dinheiro começaram a chegar a um vilarejo piloto em outubro de 2016 e têm sido usados pelos beneficiários para a construção de casas, compra de gado, redes de pesca ou, simplesmente, comida. Cada beneficiário recebe cerca de US$ 22 por mês, uma fortuna para os padrões locais.

Hoje, no vilarejo piloto, aproximadamente cem pessoas recebem o dinheiro. No segundo semestre, a iniciativa completa será colocada em prática. Seis mil receberão dinheiro mensalmente durante 12 anos. Um segundo grupo, de 10 mil pessoas, receberá mensalmente por dois anos. E um terceiro, também de 10 mil pessoas, receberá o valor referente a dois anos, mas de uma vez só. A organização quer analisar os efeitos em cada uma das “amostras”. “Nosso principal objetivo é aprender”, diz Joe Huston, diretor financeiro da GiveDirectly. “Se você tem uma renda garantida, esse nível de segurança muda as suas escolhas? Universalidade, ou seja, dar o dinheiro para todos na população, e não só à parte mais vulnerável dela, é importante?”

Singapura
Em 2011, Singapura criou um “dividendo de crescimento” distribuído a todos os adultos

Suíça
Josef Zisyadis lançou um particular da Renda de Cidadania. A associação BIEN Suíça faz parte da rede global BIEN e inclui organismos especializados e personalidades interessadas na economia, ciências sociais, segurança social. Tem como objetivo estudar e divulgar o conceito de Renda de Cidadania e obter a aplicação na Suíça. Uma proposta de adoção em escala nacional chegou a ir à consulta popular – onde foi rejeitada, em meados de 2016, por 77% dos eleitores.

CONCLUSÃO

Como vimos, em meio ao crescente debate, uma série de projetos de renda básica universal vêm sendo estudados e anunciados ao redor do mundo nos últimos anos. Mas ainda há um longo caminho pela frente até que iniciativas do gênero sejam adotadas em escala nacional. Embora se encontre muitos defensores, ainda há um grande número de pessoas contrária à Renda Básica Universal. Entre os motivos para isso estão principalmente questões de ordem moral e financeira, além da percepção de que exigiria mudanças culturais e políticas. A forma de financiamento, em um momento em que muitos países estão afogados em déficits fiscais, é outra preocupação.

Muitas questões permanecem de fato em aberto. O valor ideal dos pagamentos, a melhor forma de entrega do dinheiro e os efeitos macroeconômicos da adoção em larga escala da renda básica universal são pontos a serem discutidos, admitem seus defensores. Para eles, porém, a dificuldade de adoção é tão grande quanto a enfrentada no passado por ideias consideradas utópicas, como o fim da escravidão, a democracia e os direitos civis. E já há bons indícios de que os receios no campo moral sejam infundados. Um estudo assinado por Ioana Marinescu, professora assistente da Escola Harris de Políticas Públicas da Universidade de Chicago, por exemplo, mostrou que no Alasca, onde funciona o mais amplo e antigo projeto de renda básica universal do mundo, o abandono do trabalho foi irrelevante. Em contrapartida, houve redução no número de internações hospitalares e aumento do consumo e dos níveis de escolaridade da população.

O Alasca, coincidência ou não, é o estado menos desigual dos Estados Unidos.

O resultado de vários programas em fase inicial de implantação servirá de base para o avanço da discussão nos próximos anos. Sejam eles positivos ou negativos. Como coloca o futurista Federico Pistono, autor do livro A Tale of Two Futures (“Um conto de dois futuros”), em sua leitura na plataforma de vídeos TED Talks, ainda não existem evidências suficientes, nem contra nem a favor da renda básica universal. Para ele, é preciso testá-la em populações maiores, realmente representativas, com grupos controle e levando em consideração as diferentes realidades de cada país, durante períodos de tempo mais amplos. “Precisamos de mais informações e de informações melhores”, afirma. “Mas, diante dos desafios, não há por que não tentar.”

Suplicy explica de outro jeito. “A maior vantagem de um programa de renda mínima é do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano”, ele diz. “É a moça que não consegue dar de comer em casa para suas crianças e acaba vendendo o seu corpo…  É o jovem que, pelas mesmas razões, resolve ser o ‘aviãozinho’ da quadrilha de narcotraficantes… Com o básico, essas pessoas vão ganhar o direito de dizer ‘não’.”