Quebrando o gelo: vamos falar sobre a renda básica universal do Equador

Por: Yasmín Salazar Méndez e Andrea Bonilla Bolaños.
Professores do Departamento de Economia Quantitativa da Escola Politécnica Nacional.

“O vírus é uma probabilidade, a fome é uma certeza”
Juliana Martínez (2020).

Andrew Gamble (2016), em seu livro Can the Welfare State Survive?, Levantou os desafios atuais de um estado de bem-estar social [1] e os elementos que poderiam garantir sua sobrevivência e necessária renovação, respondendo efetivamente a novos riscos sociais: o globalização e mudanças demográficas, familiares e profissionais. O autor propõe a Renda Básica Universal (RBU) como uma das peças-chave para viabilizar a construção desse moderno estado de bem-estar social.

A RBU é aproximadamente proposta como uma renda (R: renda) que garante a subsistência econômica (B: básica) de todos os cidadãos de uma comunidade (U: universal) que a receberiam independentemente da sua situação no mercado de trabalho e sem submeter-se aos mecanismos de controle [2] exigidos pelas políticas de transferência de renda condicional (Van Parijs, 1995). Em outras palavras, a RBU é proposta como um instrumento universal, individual e incondicional que, por sua própria natureza, pode garantir aos indivíduos a satisfação de suas necessidades em um contexto de liberdade real [3].

A partir de 11 de março de 2020, com a declaração de pandemia global por COVID-19, os desafios expostos por Gamble (2016) tornaram-se mais visíveis: as medidas de contenção amplamente adotadas significaram uma degradação sem precedentes no mercado de trabalho global – mais além da preocupação com a saúde dos trabalhadores e de suas famílias – e um teste decisivo para os sistemas de proteção social. De fato, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2020), estima-se em todo o mundo que o número de desempregados tenha aumentado entre 5,3 milhões (caso “mais favorável”) e 24,7 milhões de pessoas (“caso mais desfavorável” ”), Com relação a um valor de referência de 188 milhões de desempregados em 2019. [4] Além disso, a OIT espera que a perda global de rendimentos do trabalho varie de US $ 860 a US $ 3,44 bilhões, admitindo a alta probabilidade de que o número de trabalhadores na pobreza aumente significativamente. Segundo a OIT, as pessoas mais vulneráveis ​​são: com problemas de saúde, cuja idade é avançada, jovens cujo trabalho é realizado sem contratos estáveis, mulheres em geral, pessoas que trabalham sem proteção social e migrantes.

Diante da situação crítica das pessoas mais vulneráveis, em todo o mundo, os governos implementaram programas de assistência social de emergência, como transferências diretas direcionadas, aumento do seguro-desemprego, entre outros (Banco Mundial, 2020). Assistência social direcionada, cujos erros de inclusão-exclusão pesam muito mais em tempos de pandemia e que pediram um renascimento do debate da UBR: O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento propõe fazer da UBR uma parte essencial dos pacotes de estímulo que os países planejam enfrentar a pandemia de Covid-19 [1].

O debate em torno da RBU não é novo. Em vários países europeus e norte-americanos, a UBR está na agenda política e econômica há mais de duas décadas [2], a ponto de realizar plebiscitos [3] para medir o apoio da população a esse tipo de medidas de proteção social universal (Dowding et al. 2003). Os argumentos pró-RBU são múltiplos, como amplamente declarado, entre outros, Gamble (2016) e Philippe Van Parijs [5] (Van Parijs, 1992, 1995), dois dos principais sendo: a priorização dos direitos humanos (ia, ter um padrão de vida adequado) e liberdade [4].

A política social da América Latina, por sua vez, exibe o outro lado da moeda: a segmentação. Uma ampla gama de políticas de transferência de renda condicional, cujas primeiras expressões apareceram no final da década de 1980, tem sido o denominador comum na maioria dos países da região (Cecchini e Atuesta, 2017).

No contexto de uma realidade mais focada, falar sobre uma política universal, especificamente uma UBR, pode ser descrito como utópico, impossível e até se encaixar em um assunto tabu devido a suas implicações econômicas, políticas, filosóficas e éticas [6]. (Wispelaere e Noguera, 2012). No entanto, uma exceção nega a qualificação da utopia: em 2004, através da Lei 10 835, o Brasil instituiu uma renda básica para a cidadania [5] e, embora a política ainda não tenha sido totalmente implementada, atualmente existe um plano piloto em Maricá, uma cidade no estado do Rio de Janeiro [6].

Utópica ou não, a necessidade de universalidade é evidente diante das limitações dos sistemas de proteção social dos próprios países latino-americanos, que, diante da crise de saúde de Covid-19, entraram em colapso rapidamente, mostrando sua capacidade limitada de reagir diante de eventos catastróficos imprevistos. Assim, a crise da saúde, ao se espalhar para as arestas sociais, econômicas e políticas, tornou-se uma crise múltipla, com alta probabilidade de desencadear um surto social [7]. E, em meio a essa convulsão, aconteceu o inesperado: alguns espaços latino-americanos quebraram o gelo e estão falando da UBR como uma das medidas para lidar com essa crise múltipla. De fato, uma UBR é crucial para garantir a contenção do vírus: sem renda, ficar em casa não é uma opção [8].

Para o Equador, o debate sobre uma UBR é crucial, pois seu mercado de trabalho se caracteriza por possuir um alto componente informal e alta vulnerabilidade. Segundo dados do Instituto Equatoriano de Estatística e Censos, em dezembro de 2019, o emprego informal atingiu 46,7% e o emprego adequado foi de apenas 38,5% (INEC, 2019). Esses trabalhadores informais e inadequados são precisamente aqueles que viram sua renda severamente reduzida ou anulada pelas medidas de contenção da pandemia de Covid-19. De fato, desde março de 2020, milhares de pessoas ficaram sem renda ou as viram bastante reduzidas: de acordo com os números apresentados no Decreto Executivo 1074, de 15 de junho de 2020, o Ministério do Trabalho (MT) registra um total de 180 852 contratos rescindidos durante a pandemia (15 724 demissões prematura, 16 864 demissões por motivo de força maior – Art. 169.6 do Código do Trabalho -, 100 797 por acordo entre as partes e 47 457 por outras causas) [9]. Adicionado ao exposto acima, está o anúncio executivo de 19 de maio de 2020 sobre a rescisão de 12 mil funcionários públicos e a redução da jornada de trabalho com uma redução no salário efetivo a partir de junho de 2020 [10]. Visivelmente, milhares de pessoas sofreram uma redução acentuada em sua renda do trabalho ou seu cancelamento total, e se tivessem acesso a uma RBU?

Mas, essa discussão vai além de uma RBU. A questão pendente é repensar a política social dos países latino-americanos e convidar diferentes atores políticos, sociais e econômicos a construir um novo pacto social baseado no respeito irrestrito aos direitos básicos e inalienáveis ​​de um ser humano (liberdade e satisfação de suas necessidades básicas) e na recuperação da solidariedade e empatia que, atualmente, parecem tomar direções mais individualistas (Gamble, 2016).

Atualmente, garantir uma renda mínima para quem não a possui, vai além de um discurso político. A manutenção da crise social e econômica desencadeada por Covid-19 exige urgência e implica garantir democracia, justiça social e paz. O caminho será indubitavelmente árduo, mas o passo inicial é necessário: estabelecer uma agenda de trabalho que inclua várias etapas. A discussão sobre uma UBR para o Equador deve começar!

Referências

[1] https://news.un.org/es/story/2020/05/1473902

[2] https://www.elconfidencial.com/alma-corazon-vida/2020-03-04/renta-basica-social-alaska-finlandia-ingresos_2479827/

[3] https://www.efe.com/efe/espana/mundo/los-suizos-rechazan-por-amplia-mayoria-establecer-una-renta-basica-mensual/10001-2946518

[4] https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/spn.pdf

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm

[6] https://basicincometoday.com/the-history-of-basic-income-in-brazil-and-how-the-city-of-marica-points-the-way-forward/

[7] https://www.facebook.com/Icefi.CA/videos/1366497753738208/

[8] https://www.portafolio.co/economia/la-renta-basica-universal-podria-impulsar-la-transformacion-social-540885

[9] Decreto Ejecutivo 1074 del 15 de junio de 2020.

[10] Decreto Ejecutivo 1053 (Reforma al Reglamento de la LOSEP) y Acuerdo Ministerial Nro. MDT-2020-117.

Barr, N. (2012). Economics of the Welfare State, Oxford University Press, Reino Unido.

Cecchini, S.; Atuesta, B. (2017) Programas de transferencias condicionadas en América Latina y el Caribe: Tendencias de cobertura e inversión, Serie Políticas Sociales de la CEPAL (LC/TS.2017/40).

Dowding, K.; De Wispelaere J.; Whit, S (2003) Stakeholding – a New Paradigm in Social Policy the Ethics of Stakeholding. Basingstoke: Palgrave Macmillan.

Gamble, A. (2016) Can the Welfare State Survive? Polity Press, Cambridge, Reino Unido.

The World Bank (2020) The Economy in the time of COVID-19. Semiannual Report of the Latin American and the Latin American Region. The World Bank Group.

Van Parijs, Philippe, ed. 1992. Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform. Londres, Verso.

Van Parijs P. (1995) Real freedom for all. What (if anything) justifies capitalism? Oxford University Press, Reino Unido.

Wispelaere J.D., Noguera J.A. (2012) On the Political Feasibility of Universal Basic Income: An Analytic Framework. In: Caputo R.K. (eds) Basic Income Guarantee and Politics. Exploring the Basic Income Guarantee. Palgrave Macmillan, New York, Estados Unidos.

Fonte: https://ecuadortoday.media/2020/07/23/rompiendo-el-hielo-hablemos-de-renta-basica-universal-para-el-ecuador/?fbclid=IwAR33hQ5g-E8HWLpq30Ojv06oC_jzR-spjpgTpdTKBnVdKJsAkTdwsxmPTR4

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